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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Comunidade se une para construir Casa de Farinha e obter renda


A comunidade Cacimba, no município de Anísio de Abreu, no interior do Piauí, mostra que sabe se unir para melhorar suas condições de vida. Tradicionalmente, a localidade sempre teve na produção de mandioca a sua principal atividade econômica. Mas a falta de uma Casa de Farinha (local onde a mandioca é processada e gera farinha, tapioca e outros subprodutos) fez com que, ao longo dos últimos anos, a produção de mandioca decaísse e muitas pessoas deixassem o local.


Percebendo isso, os moradores - capitaneados por Julio César dos Santos, um plantador de mandioca de 27 anos que preside a associação de moradores local – aproveitaram um apoio financeiro recebido por meio do COEP para montar sua própria Casa de Farinha: compraram maquinário com o dinheiro recebido, pediram apoio da prefeitura para doação de materiais de construção e, por meio de mutirão, construíram eles próprios o estabelecimento, que é gerido por uma associação com 46 sócios.

Santos conta nesta entrevista como foi esse processo de trabalho conjunto e associativo e explica como funciona a Casa de Farinha.

Mobilizadores COEP - Quando e como a Casa de Farinha foi implantada?

R: A idéia do projeto surgiu em outubro de 2008. E a Casa de Farinha foi instalada em março de 2009, há sete meses. O COEP pediu para a gente escolher um projeto gerador [de trabalho e renda]. A gente tinha que escolher um. Fizemos uma reunião e vimos que precisávamos muito de uma casa de farinha. O grupo mobilizador [conjunto de pessoas influentes na comunidade, que inclui não só membros da associação de moradores, mas também cidadãos isolados] se reuniu e convidou pessoas da comunidade. Todos ficaram de acordo sobre a Casa de Farinha. A maioria das pessoas da comunidade e da região depende da mandioca.

Antigamente, um dos produtos mais plantados aqui era mandioca. Há uns 10 anos, o pessoal produzia muito, mas não tinha uma casa de farinha – a mais próxima era muito longe -, aí diminuiu a produção. Depois que construímos a Casa de Farinha, o pessoal está voltando a plantar mais mandioca.

Mobilizadores COEP - E como foi o processo de participação da comunidade local?

R: A idéia não era fazer um projeto grande, até porque a gente não poderia. Fomos à prefeitura pedir apoio – eu, como presidente da associação de moradores, o grupo mobilizador, mais algumas pessoas da comunidade: um total de 11 pessoas.

A prefeitura deu todo o material de construção e a parte elétrica também. O maquinário nós compramos com o dinheiro que veio do COEP e as máquinas já chagaram. Para a mão de obra, fizemos mutirão. Nós mesmos fizemos os tijolos. Foram 18 mil tijolos de barro na construção. Levantamos a casa, já rebocamos e pintamos. E hoje ela já está funcionando.

Mobilizadores COEP - E como é o funcionamento da Casa de Farinha?

R: Ela serve pra gente aproveitar tudo que tem na mandioca. Aproveitamos várias coisas. A gente ceva mandioca e faz a farinha e a goma (que aqui o pessoal chama de tapioca). A farinha é vendida na cidade toda. A maioria da goma fica para o consumo na própria família.

Todas as partes da mandioca têm aproveitamento. Com a maniva da mandioca fazemos ração pra animais. A mandioca é a raiz que fica em baixo da terra e tem a “madeira” que fica para cima da terra. Essa madeira é a maniva. A gente rala a maniva, mistura com milho e fica bom para dar para os animais, que adoram. Alimentamos ovelhas, gado, cavalo etc.

Tem também a manipueira [líquido leitoso originário da prensagem da mandioca]. Fizemos uma parceria com o Sebrae – Piauí para aproveitar essa parte também.

Mobilizadores COEP - Como vocês aproveitam a manipueira? O que aprenderam a fazer com a parceria do Sebrae?

R: Usamos a manipueira para fazer sabão e detergente. A gente coloca a manipueira e outros ingredientes, mistura, espera 15, 20 minutos e está pronto o sabão. É rápido. Aprendemos com o Sebrae que temos que usar soda cáustica, gordura (para o sabão ficar mais macio) e aromatizante. A associação de moradores é que compra os materiais aqui mesmo, lá no centro da cidade. Também dá para fazer detergente com a manipueira.

Mobilizadores COEP - Quantas pessoas trabalham na Casa de Farinha?

R: Temos uma associação com 46 sócios e existem nas redondezas umas 15 famílias que também trabalham na Casa de Farinha. Temos, então, 62 pessoas trabalhando no local. No período de “arranca” [de colheita], mesmo, umas nove pessoas por dia trabalham na Casa de Farinha.

Mobilizadores COEP – E como é o dia a dia? Qualquer pessoa pode usar o estabelecimento? Qual o critério de uso?

Nossa forma de usar é assim: a associação tem que ter renda para pagar energia e água. Quem é da comunidade ou é da associação de moradores, paga uma taxa menor para uso do local. E pessoas de fora da comunidade pagam uma taxa maior. Essa taxa é paga em farinha de mandioca, que a associação vende para pagar os custos de manutenção da Casa de Farinha. O pessoal aceita bem essas condições. Fizemos reunião com todo mundo da comunidade antes de começar, explicamos e todos ficaram de acordo.

As máquinas que temos são a forrageira, que mói a maniva; o cevador, onde a gente joga a raiz e a prensa, que amassa e transforma em massa.

Mobilizadores COEP – Você cita muitas reuniões neste processo de estabelecimento e uso da Casa de Farinha. É comum a comunidade fazer reuniões? Faz parte do cotidiano de vocês?

É comum fazer reunião, sim. Fazemos quase toda semana. Além do incentivo que veio do COEP, temos agora uma parceria com o Sebrae [entidade associada ao COEP], que surgiu em julho. Para decidir sobre as coisas relacionadas a estes projetos, é sempre a maioria que decide. O que a maioria decidir, nós executamos. Quando não é por causa do COEP, é por causa do Sebrae que temos que fazer reuniões. Fora isso, mensalmente tem que ter a reunião da associação. Então isso tudo faz a gente se reunir. As reuniões contam normalmente com 30 a 35 pessoas.

Mobilizadores COEP – Qual você diria que foi o impacto da Casa de Farinha na comunidade e na própria cidade?

R: Foi muito bom para os plantadores. Agora com a Casa de Farinha as pessoas estão plantando muito mais. Antes, tava abandonado. A comunidade cresceu. Eu tenho visitando as roças com o apoio e com o pessoal do Sebrae. Hoje, a quantidade de mandioca na comunidade é praticamente o dobro do que era cinco anos atrás.

Mas ainda não dá para sentir todo o impacto. O pessoal plantou a mandioca em janeiro e fevereiro de 2009. A plantação aumentou, mas a colheita ainda não sabemos como será, porque a gente vai colher de março a outubro de 2010.

Mobilizadores COEP – Mas já é possível dizer, por exemplo, que os jovens estão permanecendo mais na comunidade, em vez de procurar trabalho na cidade?

Aqui na comunidade ainda vai muita gente embora. Mas a Casa de Farinha é um incentivo para não ir. Muita gente já está deixando de ir pra fazer plantio da mandioca.

Fotos: Carlos Henrique Neri, equipe de campo do COEP Nacional.
Entrevista concedida a: Maria Eduarda
Edição: Eliane Araújo

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Escravagista usa escola pública como alojamento em Mogi Guaçu

Colhedores de tomate - entre eles dois adolescentes - não recebiam salário e não tinham como voltar para Minas Gerais. Empregador cobraria "aluguel" dos trabalhadores por alojamento precário em escola municipal desativada.

Fiscais da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Mogi Guaçu (SP), acompanhados de representantes da Procuradoria Regional do Trabalho da 15º Região (PRT-15), libertaram 20 pessoas, incluindo dois adolescentes de 17 anos, de condições análogas à escravidão, na última sexta-feira (17).

O grupo de colhedores de tomate era explorado na Fazenda Graminha, em Mogi Guaçu (SP). Elas foram aliciadas em fevereiro deste ano, no norte de Minas Gerais, pelo próprio empregador e arrendatário da terra, Roque Pimenta, que prometeu bons salários e condições dignas de trabalho.

Eles não chegaram a receber salário. O empregador dava vales que poderiam ser trocados por alimentos no supermercado de um amigo. Os vales eram no valor de até R$ 800, mas quem gastasse menos, não recebia nenhum troco. Os empregados eram impedidos de deixar a fazenda porque não tinham como custear a viagem de volta a Minas Gerais, pois só recebiam vales.

Os trabalhadores estavam alojados numa escola estadual desativada. A estrutura do local estava em condições precárias: a fiação elétrica estava exposta e o esgoto corria a céu aberto. Mesmo assim, o empregador avisou que cobraria um "aluguel" no final da safra, além de descontar o valor referente às passagens de Minas Gerais até o interior paulista.

O empregador forneceu um par de luvas descartáveis no início da colheita para os empregados. A legislação trabalhista determina que o empregador forneça Equipamentos de Proteção Individual (EPI) gratuitamente aos trabalhadores. No caso dos colhedores, as exigências incluem luvas não descartáveis, botas e chapéus para proteger do sol.

Agrotóxicos eram aplicados pelo grupo sem nenhuma proteção especial, vez que as roupas utilizadas eram comuns. Os empregados lavavam todas as reoupas juntas, o que aumentava o risco de contaminação.

A lista de irregularridades encontradas pelos fiscais é extensa: a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos empregados não estavam assinadas e a jornada de trabalho se iniciava às 6 h da manhã e terminava às 22 h. Segundo informações da PRT-15, além de colher, eles tinham que carregar as caixas de tomates até o caminhão que faria a entrega.

A procuradoria informou também que Roque Pimenta mandou uma advogada para representá-lo durante a fiscalização. Por determinação dos fiscais, os trabalhadores foram alojados numa outra casa em condições de habitalidade alugada pelo empregador. As famílias também estão recebendo ajuda da Vigilância Sanitária e Assitência Social de Mogi Guaçu (SP).

O empregador não compareceu à audiência com os membros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de o Ministério Público do Trabalho (MPT) para efetuar o pagamento das verbas referentes a rescisão do contrato de trabalho. Tampouco mandou advogado. Os procuradores do Trabalho já acionaram o proprietário da terra para arcar com a responsabilidade sobre o
pagamento. O empregador será indiciado por crime de reduzir pessoas à condição análoga de escravidão, previsto no art. 149 do Código Penal.

A prefeitura fez um contrato com o empregador, em novembro do ano passado, no qual ficou acordado que Roque Pimenta poderia utilizar a casa dos fundos da escola. Em troca, ele deveria fazer a manutenção do local. A escola Fazenda Graminha foi cedida pela Secretaria Estadual da Educação para a prefeitura no ano de 2000. O contrato será cancelado e a prefeitura estuda entrar com um processo contra o empregador. O prédio foi lacrado e a secretaria fará um estudo sobre a possibilidade de reativar a escola.